segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Luto


Faleceu nesta quarta-feira, 23/12/2009, em Nijmegen, Holanda, aos 95 anos de idade, o teólogo dominicano Edward Schillebeeck. Conhecido internacionalmente, ele é seguramente um dos teólogos mais importantes do último século, não só pela amplidão e abrangência de sua obra e pela influência de seu pensamento, mas também por ter protagonizado um modo novo de fazer teologia: ele se distingue como um dos primeiros, senão o primeiro, [entre os] teólogos dogmáticos católicos do século XX a incorporar em sua teologia o resultado dos estudos bíblicos dos dois últimos séculos.


Edward Schillebeeckx nasceu em 12 de novembro de 1914 em Antwerp, pequena cidade da Bélgica. Foi admitido na Ordem dos Dominicanos aos vinte anos. Após seu noviciado cursou filosofia em Ghent (entre 1935 e 1938) e teologia em Lovaina (entre 1939 e 1943). Foi ordenado sacerdote em agosto de 1941.
Devido a uma necessidade da Ordem Dominicana, Schillebeeckx foi direcionado para o ensino de teologia. Em função disso foi à Paris para se especializar em teologia na Faculdade Dominicana chamada Le Saulchoir , onde também freqüentou a Universidade de Sorbonne, a Escola de Estudos Superiores e o Colégio da França, instituições estaduais de forte erudição. O período em Paris (1945 – 1946) ofereceu um amplo leque de possibilidades e estímulos intelectuais, que marcou profundamente seu trabalho teológico abrindo-lhe múltiplas perspectivas de reflexão.
Em 1947, retornou à Lovaina, onde assumiu a orientação espiritual de cerca de sessenta estudantes e foi professor de teologia até o ano de 1957. Como docente de teologia, ele ensinava desde a teologia da criação até a escatologia, incluindo teologia propedêutica, sacramentos e cristologia, num ciclo de estudos que cobria quatro anos. Além destas atividades publicava artigos e também era capelão de uma prisão local. Neste período se tornou conhecido no ambiente teológico pela publicação parcial de sua tese de teologia intitulada De sacrementele heilseconomie (A economia sacramental da salvação) , a qual teve importante repercussão na teologia holandesa e para a renovação da teologia dos sacramentos.

Em 1957 Schillebeeckx foi nomeado para a Universidade Católica de Nijmegen, na Holanda, para onde se mudou em janeiro de 1958 e onde viveu até os dias de hoje. Todo este período de sua vida se caracteriza por uma intensa atividade acadêmica e intelectual e se constitui na fase mais rica e criativa de seu pensamento. O ambiente universitário possibilitou-lhe o contato com um público bastante amplo e envolvimento efetivo no debate sobre as questões teológicas mais relevantes. Passou a lecionar prioritariamente para alunos de pós-graduação e a se dedicar intensamente à pesquisa.
Schillebeeckx marcou presença intensa na vida pastoral da Igreja da Holanda. Recebeu muitos convites para conferências, palestras e aulas como professor visitante em diferentes lugares da Europa e dos Estados Unidos. Em 1960 Schillebeeckx ajudou a fundar um novo jornal de teologia em – Tijdschrif voor Theologie (Jornal de Teologia) – do qual ele se tornou seu diretor chefe. Em 1965 ele foi membro fundador do Jornal Internacional de Teologia Concilium. Participou intensamente do Concílio Vaticano II na posição oficial de conselheiro teológico do Cardeal holandês Alfrink e através de várias conferências aos Bispos, com ampla participação dos mesmos ; além disso chegou a colaborar com os trabalhos do Concílio mesmo . Entre 1966 e 1967 ele visitou duas vezes os Estados Unidos, onde se confrontou com uma secularização mais radical e teve oportunidade de conhecer teólogos como A. Dulles, H. Cox, Mc Kenzie, C. Smith e diversas Universidades e estudantes. Estas experiências marcaram uma virada decisiva no seu pensamento, determinando o início de uma nova fase de seu pensamento.
O pensamento de Schillebeeckx ao longo desse período se desdobrou em torno a três centros de interesse temáticos: interesse pela secularização e a relação Igreja-Mundo -1958-1966; interesse hermenêutico-crítico - 1967 – 1971; interesse cristológico - 1972 – 1984. Tornou-se conhecido nos ambientes teológicos e eclesiais em escala mundial particularmente por suas duas volumosas obras de cristologia-soteriologia: Jesus, a história de um vivente (1974) e Cristo e os Cristãos (1977).

Neste último período foram movidos pela Sagrada Congregação para Doutrina três processos de investigação sobre suas idéias (1968, 1976 e 1981). Todos eles foram concluídos sem nenhuma condenação de suas idéias, mas estes fatos revelam que desde os anos sessenta seu pensamento estava sob a suspeita de alguns setores da Igreja.
Ele se afastou da Universidade em setembro de 1982 e desde então continuou atuando na Igreja católica da Holanda e publicando suas pesquisas. Ele também continuou como editor da Revista Concilium.
Schillebeeckx foi um homem que desde cedo se habituou a posicionar-se pessoalmente e de modo crítico diante de situações de vida e problemas que se lhe foram apresentando. Toda sua vida de teólogo se caracteriza por uma grande capacidade de estudo e pesquisa, de confronto crítico e de diálogo com diferentes linhas de pensamento, não só da teologia, mas também de outras áreas de estudo. Assumindo como principal interlocutor o ser humano secularizado do século XX, seu pensamento se caracteriza por um conhecimento sério, profundo e sempre atualizado das questões candentes que interpelam a teologia e a fé cristã, e das diferentes correntes de pensamento que se desenvolvem ao lado da teologia e, com isto, pela interdisciplinaridade. Foi um teólogo ardoroso, profundamente envolvido com as questões eclesiais e pastorais contemporâneas; um homem de ação, profundamente engajado nas questões humanas de seu tempo e comprometido com os problemas humanos concretos.

Ele é seguramente um dos teólogos mais importantes do último século não só pela amplidão e abrangência de sua obra, mas pela influência de seu pensamento e por ter protagonizado um modo novo de fazer teologia: ele se distingue como um dos primeiros, senão o primeiro, teólogos dogmáticos católicos do século XX a incorporar em sua teologia o resultado dos estudos bíblicos dos dois últimos séculos.

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